Manuel Ara​​újo

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"Folha de Vila Verde"
24 de Maio de 1881

Thermas de Caldellas

Transcrição de Manuel Araújo

Thermas de Caldellas - 1891

Graças ao meu amigo Costa Guimarães, que me deu a conhecer uma biblioteca online (Aqualibri) repleta de material histórico da nossa região do Minho, tive acesso a uma cópia impressa de uma folha de jornal datada de 24 de Maio de 1891.
Trata-se do número 291 da "Folha de Vila Verde", um jornal representado por António Maria Barbosa e administrado por Bernardo A. de Sá Pereira. Logo na primeira página, entre as várias notícias do país e de Vila Verde, encontrei um artigo sobre as termas de Caldelas.
O texto em questão, escrito em português antigo e com a grafia "Thermas" e "Caldellas", está localizado na quinta coluna do lado direito. Apesar das condições um tanto deterioradas da cópia, farei o meu melhor para transcrevê-lo o melhor possível: 


“Vem de tempos remotos a fama das águas de Caldelas como agentes terapêuticos de míticas virtudes. Os romanos deixaram testemunhos valiosos de subido apreço que lhe mereceram estas águas minerais e a tradição tem conservado religiosamente a notícia de muitas curas verdadeiramente notáveis, quase milagrosas devido ao uso interno e externo destas águas. 

Muito maior seria, porém, a nomeada das águas de Caldelas, se há mais tempo houvesse no local em que elas brotam, comodidades para receber doentes. O balneário era, porém, pertença do mosteiro de Rendufe, que parece que o conservou tal e qual o legaram os seus primeiros possuidores. Extintas as ordens religiosas em Portugal, foi o balneário entregue ao Pároco de Caldelas que na estação própria, o franqueava grátis aos doentes. Em 1803 os povos do Concelho de Amares mandaram construir quatro casas de banho, cada uma com um grande tanque de pedra. Duas nascentes abundantíssimas alimentavam as quatro piscinas construídas e nomeadas - “Poço da Elephantyasis”, Poço do Carvalho, Poço Fresco e Poço de Rheumatismo. 

Junto do Poço de Carvalho, numa escavação bastante profunda, construiu-se uma pequena fonte de água medicinal para o uso dos doentes. Apesar de tão minguada a pobríssima instalação, a fama das águas atraía uma enorme concorrência a Caldelas. Era, no entanto, necessário ter muita coragem, muita confiança na virtude terapêutica das águas, para se ir sujeitar, durante o tempo do tratamento termal e a habitar a desmantelada choupana de qualquer lavrador ou os “infectos quarteis” que existiam nas vizinhanças dos poços. Quem conhecia os efeitos maravilhosos das águas de Caldelas sujeitava-se, todavia, aos incómodos de uma viagem por péssimos caminhos ou desconforto de uma casa de lavrador pobre, à promiscuidade dos poços de banhos, dando-lhe por bem pago de toda esta longa série de sacrifícios com o vir de Caldelas melhorado, ou curado, de padecimentos contra os quais tinham sido impotentes outras águas mais nomeadas e mais fidalgas. Foi nestas condições que um verdadeiro benemérito, o Visconde de Semelhe, foi para Caldelas procurar alívio para um padecimento gastro-hepático tenaz e persistente que tinha desafiado todas as drogas e muitas águas minero-medicinais de Portugal e do Brasil. Animou-o à viagem o belo resultado colhido por sua mãe num padecimento semelhante que o torturava, e melhorou a tal ponto que, impulsionado pela gratidão e conhecendo praticamente as dificuldades insuperáveis com que os doentes tinham de lutar para se poderem instalar em Caldelas e tirarem resultados do uso da água, Sua Excelência resolveu desde logo fundar um estabelecimento à altura do valor terapêutico das desafortunadas termas, onde os pacientes encontrassem as condições de conforto e de higiene indispensáveis. Num homem como Sua Excelência, a realização prática de um tal projecto não podia demorar muito tempo. Tendo obtido a concessão da exploração das águas por 19 anos, principiou desde logo a estudar o melhor meio de realizar os melhoramentos que eram indispensáveis. Uma multidão de trabalhadores em pouco tempo conseguiu transformar profundamente o local em que brotavam as águas e hoje, pode afoitamente afirmar-se que Caldelas rivaliza com os melhores estabelecimentos termais do nosso país. O estabelecimento termal de Caldelas está situado num vale ubérrimo e formosíssimo da província do Minho, a pouco mais de duas léguas da velha Braga. Uma excelente estrada, cortando verdejantes campinas, estabelece a comunicação entre a cidade e Caldelas. Pela sua posição especial, Caldelas é verdadeiramente um local privilegiado, abrigado por altas montanhas que ao longe recortam no azul os seus píncaros escarpados, cobertos de exuberantíssima vegetação, cortado por regatos sinuosos perdidos por entre o arvoredo, semeado de lugarejos pitorescos, o vale de Caldelas goza de uma temperatura muito igual e de uma situação deliciosa. A vista estende-se amplamente pelo vale e pelas colinas que o rodeiam, usando uma esplêndida paisagem, em que a beleza rude da montanha, descrita, árida, contrasta com as colinas exuberantíssimas arborizadas e as campinas verdejantes maculadas aqui e além pelas casas das aldeias. Caldelas dispõe hoje de um magnífico hotel que nada tem a invejar aos melhores hotéis do país sob o ponto de vista da vastidão e da higiene e do conforto. Esplendidamente situado no contraforte do Monte São Pedro, o hotel da Bela Vista bem merece o nome que o seu proprietário lhe deu. Goza-se com efeito dali todo o vale de Caldelas, cujas belezas, como dissemos, são extraordinárias. O hotel forma um grande quadrilátero com uma fachada voltada ao norte. O rés-do-chão é ocupado pelo casino, sala de jogos, sala de jantar, consultório médico, etc. No centro do hotel há um enorme pátio cercado por um claustro pavimentado e mosaicos onde se pode passear as águas nas ocasiões em que o tempo não o permita fazer ao ar livre. 
A capacidade enorme do hotel permite estarem nele 300 hóspedes aproximadamente. No sopé do hotel, ligado por uma entrada em zig-zag, que vem descendo por uma série de escalões ajardinados, encontra-se o novo estabelecimento de banhos de imersão. Esta mesma estrada vai prolongar-se pela montanha acima, permitindo aos hóspedes a extensão ao cume da Montanha de São Pedro, montanha que pela sua notável elevação oferece, um esplêndido ponto de vista, um horizonte larguíssimo. Respira-se lá do alto a plenos pulmões o ar oxigenado e tonizante da montanha. 
O proprietário do hotel tenciona ter concluído muito em breve um elevador para uso exclusivo dos seus hóspedes a fim de lhes facilitar a ascensão do alto da montanha e lhes fazer aproveitar as incontestáveis vantagens da demora neste lugar, que pela sua atitude deve necessariamente exercer uma ação benéfica em certo número de doenças. O novo estabelecimento de banhos de imersão está situado junto ao ribeiro de Caldelas, um caudal enorme de água, termal, alimenta 12 banheiras de zinco colocadas cada uma em um pequeno quarto pavimentado a mosaico, bem ventilado e com todas as condições de conforto desejáveis. Este balneário é destinado aos doentes que não quiserem utilizar os antigos poços que o proprietário do estabelecimento entendeu por dever conservar. 
Junto ao balneário havia um vasto alpendre onde os hóspedes podem esperar, passeando, a hora do seu banho. É numa das paredes deste alpendre que se encontram duas pedras com inscrições que testemunham claramente o apreço que os romanos davam às termas de Caldelas. Uma destas inscrições, segundo a interpretação de José António Vieira da Mota Gomes, referida num relatório sobre as águas, dirigido ao governador civil de Braga em 1844, por João Elias da Costa e Silva, diz: “Gaius, Filios, Caesaris, Grandis - Pins - Eminens, Nymphis, Ex-Voto”. Na segunda, já mutilada, lê-se ainda: “Vir-Prudentíssimus, Nymphis, Ex-Voto”. “ 

No fim do texto, entre parênteses, menciona-se que "continua", mas infelizmente não há continuação disponível, pois só possuo este número da edição do jornal. No entanto, considero esta descrição extraordinária e agradeço ao Costa Guimarães por me proporcionar a oportunidade de encontrar verdadeiros tesouros aqui, incluindo fotografias de pessoas e lugares de Caldelas do final do século XIX e início do século XX, que são realmente históricas.